domingo, 14 de junho de 2009

«Vencidos da Vida»

Amanhã passam dois anos da data da morte do Mário e a reler o seu primeiro livro fiquei com este textoem memória. Como ele já antes de saber já se filiara depois dos 30 no grupo de amigos com quem ele conviveu.
“São apenas palavras, sabes bem. Palavras que não empregas habitualmente, por pejo ou por não lhes dares grande valor, mas que a emoção agora te fez, quase por irreflexão, proferir. Palavras que retratam, dirias noutras circunstâncias, um romantismo exacerbado. E sentiste tudo o que disseste, é verdade, embora instantes volvidos já não estejas tão convencido do seu conteúdo, do conteúdo que as palavras nunca traduzem fielmente. Não, não se discute a razão do que afirmaste. Mas pergunto-te se sentes realmente a força que exprimistes com tanta exuberância. Sim, vais dizer que não tens a certeza de nada, que duvidas, e que mesmo neste momento só acreditas no amor que esta rapariga te inspira (Amor? Outra afirmação imprudente…) Mas lutas, apesar disso, e denodadamente, cegamente… E lutas por tudo, por todos, por ela, por milhões que não conheces…
Não! Eu luto é por mim! É egoísmo, eu sei, mas é verdade, é o que sinto. Não luto sequer pelos filhos que poderei ter, mas pelo meu futuro imediato ou, quando muito, pela felicidade que os meus filhos virão a dar-me. Aliás, neste tempo de desgosto e vergonha, parece-me que o melhor que posso fazer por eles é não os ter. Aos dez anos não sabia nada; aos quinze anos faltava-me a verdadeira consciência; aos vinte sei o que sou e luto para ter aos trinta tudo o que me falta agora. É que depois dos trinta estou perdido e sem possibilidades de fazer seja o que for, excepto entrar na fila dos vencidos e resignados…”
Mário Ventura in “ A Noite da Vergonha”, 1963